Publicado em 01/12/2005
A fixação biológica de azoto (FBA) é um processo natural essencial. Plantas e animais obtêm azoto, em última análise, de organismos fixadores de azoto ou de fertilizantes de azoto. O azoto disponível no solo, proveniente da decomposição de plantas e animais, é, na grande maioria das situações, insuficiente para um agricultura intensiva. Esta é a motivação mais forte para se procurar compreender o funcionamento da FBA. Será então possível aplicar estes conhecimentos para benefício não só do sector agrícola em todo o mundo, como também para reflorestação. Não esquecer a projectada duplicação da população mundial nos próximos 50 anos, que vai sem dúvida aumentar a pressão sobre o sector alimentar, o ambiente e a demanda de azoto.
Por outro lado, os mecanismos de sinalização e comunicação a nível celular observados na interacção simbiótica que possibilita a FBA não são um fenómeno único, pelo contrário, existe comunicação a nível celular numa grande variedade de interacções biológicas, e com tal interessa compreender os seus mecanismos.
A fixação de azoto tem lugar através de processos biológicos e não biológicos. Os sistemas biológicos fixam à volta de 100 a 170 milhões de toneladas anualmente, sendo este um valor que se manteve relativamente constante no último século. Quanto à fixação industrial de azoto, através do processo de Haber, que é extremamente ineficiente em termos energéticos, no ano de 2002 a produção anual foi cerca de 80 milhões de toneladas. A fixação não biológica de azoto em virtude da energia fornecida pelos relâmpagos corresponde a um valor comparativamente insignificante de cerca de 10 milhões de toneladas por ano de azoto, valor este que se admite não ter variado significativamente ao longo dos tempos.
O crescimento dos seres vivos está dependente de nutrientes minerais, e nenhum deles é mais importante que o N. O planeta é rico neste elemento – 79% da composição do ar é azoto molecular (N2). Contudo o azoto atmosférico encontra-se numa forma indisponível, dado que a ligação tripla entre os 2 átomos de azoto assegura a esta molécula uma enorme estabilidade. Apenas um pequeno grupo de seres procariontes é capaz de levar a cabo a “fixação” do azoto, convertendo-o numa forma passível de ser assimilada biologicamente (NH4+,NO3-)
Exemplos de bactérias fixadoras de azoto | |||
---|---|---|---|
De vida livre | Em simbiose com plantas | ||
Aeróbicas | Anaeróbicas | Com leguminosas (ex:trevo, feijão) |
Com outras plantas |
Azotobacter | Clostridium (algumas) | ||
Beijerinckia | Desulfovibrio | ||
Klebsiella (algumas) | Bactérias sulfurosas purpúreas* | Rhizobium | Frankia Azospirillum |
Cyanobacteria* (algumas) | Bactérias não-sulfurosas purpúreas* | ||
Bactérias sulfurosas verdes* |
*bactéria fotossintética
A fixação biológica de azoto pode ser representada através da seguinte equação:
N2 + 8H+ + 8e- + 16 ATP --> 2NH3 + H2 + 16ADP + 16 Pi
São produzidos 2 moles de amoníaco por cada mole de azoto gasoso consumido, à custa de 16 moles de ATP e de electrões e protões (iões hidrogénio). Esta reacção é catalisada por um complexo enzimático designado nitrogenase, e que é constituído por duas proteínas: uma ferro-proteína e uma molibdénio-ferro-proteína.
A reacção ocorre quando o N2 se liga ao complexo nitrogenase. A ferro-proteína é primeiro reduzida por electrões fornecidos pela ferrodoxina. ATP liga-se à ferro-proteína reduzida e esta reduz então a molibdénio-ferro-proteína, que por sua vez doa electrões ao N2, produzindo HN=NH. Em mais dois ciclos deste processo, cada um requerendo doação de electrões por parte da ferrodoxina, o HN=NH é reduzido sucessivamente a H2N=NH2 e finalmente a NH3.
Dependendo do microrganismo em causa, assim a ferrodoxina reduzida que fornece os electrões para todo este processo resulta de um metabolismo fotossintético, fermentativo ou de respiração.
Curiosidade: as nitrogenases apresentam um grau de conservação notável em todas as bactérias fixadoras-de-azoto. As ferro proteínas e as molibdénio-ferro proteínas têm sido isoladas a partir de muitas destas bactérias, e já foi demonstrado que a fixação de azoto pode ocorrer em laboratório na ausência de um ambiente celular, mesmo misturando proteínas de organismos diferentes, inclusive para espécies filogeneticamente distantes.
Um exemplo:
Dentro do grupo Rhizobium encontra-se a espécie Sinorhizobium meliloti. Esta espécie, anteriormente conhecida como Rhizobium meliloti é uma bactéria do solo capaz de induzir a formação de nódulos fixadores de azoto em plantas leguminosas de géneros Medicago (eg M. sativa, M. truncatula), Meliloti, e Trigonella, entre outros. No interior dos nódulos alojam-se as bactérias que após diferenciação para o estado de bacteróides, dão início à fixação biológica de azoto (ie redução de N2 a NH3) em proveito da planta.
À esquerda observam-se nódulos nas raízes de Medicago sativa (alfalfa) inoculada com S. meliloti 2011. À direita vêem-se plantas leguminosas a crescer em meio pobre em azoto, na presença (plantas à esquerda) e na ausência (à direita) de Rhizobium.
Medicago sativa - (na vertical), com pêlos radiculares (na horizontal). Observa-se um pêlo radicular com a ponta encurvada, e com veia de infecção formada. À direita observa-se uma imagem de microscopia de fluorescência da mesma zona. As bactérias estão a superexpressar GFP (Green Fluorescent Protein). Note-se a formação de uma microcolónia na ponta encurvada do pêlo radicular e a veia de infecção em direcção à raiz.
O genoma de S. meliloti encontra-se
anotado
e foi tornado público em 2001, (Galibert F. et al, Science, 2001
)
sendo constituído por um cromossoma e dois megaplasmídeos, Os três
replicões contribuem em grau variável e apenas parcialmente conhecido
para o estabelecimento da simbiose.
O cromossoma de S. meliloti é característico de uma bactéria heterotrófica e aeróbia. O megaplasmídeo B aumenta significativamente o leque de capacidades metabólicas, permitindo a esta bactéria metabolizar uma grande variedade de pequenos compostos que se encontram normalmente disponíveis no solo ou na rizosfera de uma planta; e por outro lado permite um elevado potencial de colonização a estes micróbios, ao codificar para diversos exopolissacáridos. O megaplasmídeo A contribui para a capacidade de indução de nodulação, para a aptidão que esta bactéria demonstra na adaptação ao ambiente praticamente anaeróbio no interior do nódulo, e para metabolizar compostos de azoto em diversas formas, nomeadamente como azoto molecular (N2).
Para comentar tem de estar registado no portal.